12.12.08

Pedem-nos o voto, diremos não!

O capitalismo é um sistema sem lei, que alimenta e serve os interesses dos grandes grupos económicos e de todos os que lhe seguem o modelo. Um sistema norteado por valores cujos princípios básicos potenciam o crescimento da injustiça e desigualdade sociais, da alienação e expropriação dos direitos fundamentais dos indivíduos, da exclusão, da exploração desenfreada de pessoas, animais e natureza, do fomento de necessidades de consumo, hábitos e procedimentos desnecessários que causam ciclos de guerra, sofrimento e miséria. As democracias “representativas” inculcam massivamente no imaginário dos cidadãos que os resultados dos actos eleitorais significam procuração irrevogável para o Estado agir, em seu nome, de forma omnipotente e omnipresente.

A democracia resume-se assim a isso mesmo: de tanto em tanto tempo fazer variar nos assentos do Poder aqueles que apenas estão lá não para nos representar como proclamam, mas para fazer cumprir todas as políticas decididas algures nos centros financeiros internacionais. Desta forma, a vontade dos povos e dos indivíduos não tem qualquer poder decisório. No entanto, são chamados sazonalmente ao cumprimento do seu “dever”, a horas e nos lugares certos, sendo-lhes outorgado um falso carácter determinante, vendendo-se assim a ilusão de que mandar representa, apenas, obedecer ao sentimento maioritário.

Para a prossecução deste embuste arenga-se que as eleições projectam um sublime acto de escolha. Com maior ou menor propaganda e manipulação, com mais ou menos promessas demagógicas que não colhem apenas os incautos, o sistema capitalista desce à terra de quatro em quatro anos, submetendo-se estoicamente à prova das feiras, dos comícios em terras inóspitas, dos beijos e abraços à saída das missas. Tem o seu banho democrático, diz-se orgulhoso por isso e afirma-se posteriormente encartado para decidir o que quiser decidir. São, depois, as regras da democracia “representativa” a gerarem a rotatividade na protecção do aparelho de Estado e na defesa das políticas rigidamente definidas que, a nível super-estrutural, o capitalismo impõe para prosperar e garantir a sua ditadura. São as terapias impostas para que o pulmão não se debilite, seja qual for o corpo (partido ou agrupamento político) que lhe dá abrigo.

O sistema capitalista tem sabido lutar bem por este seu paradigma, exigindo a quem dele vive o respeito e aceitação do Estado como entidade reguladora das relações sociais. Os jogos de alianças, a necessidade de apresentar alternativas e soluções como sinal de afirmação construtiva fizeram encostar a "extrema-esquerda" e a "esquerda" à "direita" e parte da "direita" à "esquerda" e ao "centro", juntando-se todos no Parque das Nações a comerem um caldo de maioridade e sensatez. Por isso, nenhuma, mas mesmo nenhuma, força partidária equaciona, hoje, a legitimidade dos cidadãos se sentirem defraudados com o que fazem do seu voto. Outra coisa, aliás, não poderia acontecer: por muito que possa doer a muita gente boa que palmilha caminhos de insubmissão, certo é que a participação nos órgãos de poder institucional significa a aceitação cordata das suas regras de funcionamento e a reverencial simpatia pelo Estado e pelo sistema que o mantém. Há que assumir sem rodeios que nas sociedades modernas a exploração violenta, desumana, arcaica e irracional que o sistema capitalista exerce legalmente vem resultando da "carta branca" fornecida pelos plebiscitos eleitorais. Percebendo a importância que as eleições dão ao sistema capitalista, ao longo das últimas três décadas várias foram as mobilizações em torno da defesa política da abstenção. Não havendo campanhas públicas sistematizadas nem qualquer sector a emergir colectivamente, o poder foi-se aproveitando disso para atribuir os resultados incomodativos à "preguiça", ao "tempo de praia", à "chuva diluviana", à "abstenção técnica", à não "limpeza dos cadernos eleitorais", à "mobilidade dos cidadãos".

Como se "ir à praia" em dia de eleições não devesse ser enquadrado numa atitude política assumida, denunciadora da rejeição do circo da sociedade do espectáculo; como se o "direito ao não voto" fosse menos legítimo que o "direito ao voto". Reduzir a participação eleitoral aos que alimentam e se alimentam do sistema, transformá-los em criadores, actores e espectadores da sua própria encenação poderá ser uma interessante tarefa revolucionária geradora de ataques localizados aos órgãos vitais desta sociedade dominante. Nesta lógica de combate deverá ser claro que uma plataforma de entendimento e acção em defesa da abstenção, que se almeja poder funcionar sem qualquer mecanismo reprodutor dos poderes conhecidos, nunca deverá ser entendida como um fim em si mas antes como um meio para reforçar o ataque sistémico ao capitalismo. Ao longo da história a sociedade humana foi sendo encaminhada para sistemas de funcionamento autocrático e dirigista ao arrepio das normas de relação fraternas, solidárias e horizontais. A introdução das regras mercantilistas, do desempenho individual, da competição e do orgulho na propriedade privada adulteraram a lógica comunal, transformando o ser humano num produto que deve mais do que tem a haver! A desumanização das sociedades dos novos tempos transformou as pessoas em números prontos para o massacre.

Isto não é inevitável! Sabemos de múltiplas lutas de resistência que foram capazes de mostrar que outro mundo é sempre possível ainda que o devir nos tenha acrescentado frustrações. Todos esses processos históricos encontram-se catalogados nos protótipos da utopia, tendo, alguns deles, sido concretizados. Este parece ser o grande combate de quem enjeita o poder institucional e não quer agir sozinho. A luta pela felicidade e pelo mundo harmonioso também passa por aqui sem aqui se esgotar! Liberdade não é poder escolher os tiranos, mas sim não querer nenhum.

Todas as rebeliões começam por uma recusa. Para justificar a tirania, virão pedir-nos o nosso voto.

OLHOS NOS OLHOS, DIR-LHES-EMOS QUE NÃO!


Plataforma Abstencionista
Novembro 2008


7 comentários:

  1. Abstenção é único instrumento que vai pesar neste sistema,já que os nulos e os brancos não tem nenhuma validade pela comunicação social e não são revelantes.Cumprimentos José Corte-Real

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  2. Como fica dito ao princípio do artigo, o capitalismo é um sistema. Pensa-lo como um sistema, e nom apenas como um modo de produçom traz implicaçons que som desconsideradas no resto das reflxons que se fazem.

    Um sistema é umha forma de organizaçom social que se impom sobre a vontade dos seres humanos. Trata-se, portanto, dum sujeito, nom dum instrumento ao serviço de qualquer interesse social. As classes, mesmo a burguesia, estam ao serviço desse sujeito, e nom à inversa.

    Portanto, se considarmos, a sério, o capitalismo como sistema, entom a sua superaçom nom consiste (apenas) na emancipaçom dumha classe do domínio doutra, mas (também) na emancipaçom do gênero humano em relaçom a um sistema que cancela qualquer forma de liberdade para alienar e cousificar a todo sujeito que nom seja el mesmo. Nom levar isto em conta, é o que causa a perplexidade (na) que o poema reflicte: "quem manda aqui?".
    Rao

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  3. Ola Rao,

    concordo no essencial com a tua análise das características do capitalismo enquanto sistema, mas não me parece que as implicações que referes tenham sido desconsideradas. Em lado nenhum do texto leio apelos à luta de classe ou acusações a uma classe especifica, e muito menos que se considera o capitalismo como um mero "meio de produção" ou um "instrumento ao serviço de qualquer interesse social". Aliás, esses termos, há muito recuperados pelo sistema, não ajudam a distinguir os verdadeiros obstáculos que o ser humano enfrenta hoje na luta por uma vida mais verdadeira.
    Por outro lado, encontro bastantes denuncias de como o sistema "aliena e cousifica todos os sujeitos" e revindicações de emancipação desses mesmos sujeitos. Por isso, não entendo bem a tua discordância. Parece-me que para um texto que tem um caracter especifico, o de ser um manifesto abstencionista, até faz uma apreciação do capitalismo com alguma profundidade.
    Também a leitura que faço da pergunta "quem manda aqui?" é diferente da tua. Lendo o poema todo fico com a sensação de que a intenção era precisamente a de demonstrar como pode um sistema, escondido por detrás de variadas razões e teorias, levar-nos a futuros que definitivamente não desejamos. Qualquer coisa como um "Quem quer isto?". Espantado, não perplexo.

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  4. Apoio a iniciativa considerando que a abstenção maçica será um "cartão vermelho" para os inaptos e corruptos que nos têm governado, mal!
    O capitalismo deve ser entendido como "motor" do desenvolvimento e não como exploração dos que dele dependem.
    Vou abster-me. Cumprimentos.

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  5. Recebi agora este mail. Confesso que desconhecia o que o mesmo menciona. No

    entanto só faço uma pergunta: Há algum politico por quem valha a pena o país repetir as eleições e suportar tudo o que isso acarreta?

    Sabiam que o voto em BRANCO é o mais eficiente?????


    SE VOTAREM EM BRANCO, ou seja, se não escreverem absolutamente nada no boletim de voto, é muito mais eficiente do que riscá-lo.

    Nenhum politico fala nisto... porquê?????????

    Porque se a maioria da votação for de votos em branco eles são obrigados a anular as eleições e fazer novas, mas com outras pessoas diferentes nas listas.

    Imaginem só a bronca.......:::::)))))))))

    A legislação eleitoral tem esta opção para correr com quem não nos agrada, mas ninguém fala disso.

    Não risquem os votos, porque serão anulados e não contam para nada.

    VOTEM EM BRANCO......!!!!!!!!!!!!!!

    A maioria de votos em BRANCO anula as eleições..... e demonstra que não queremos ESTES políticos!!!

    Espalhem para se obter a maioria.

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  6. seria talvez um posicionamento niilista, já que nãao apresenta nenhuma solução razoável para a atual doutrina política.
    Queria saber, se o capitalismo não agrada, qual serial o sistema econômico viável? socialismo? anarqismo? neoliberalismo?

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  7. Se o voto é a arma do povo votar é ficar desarmado,.
    Saudações libertárias

    MINOUA

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